segunda-feira, 1 de abril de 2013

"TITANOMAQUIA": UM DOS DISCOS MAIS INJUSTIÇADOS DA HISTÓRIA DO PAÍS.

   

  Pela Primeira vez a TOCA DO SHARK terá texto que não foi produzido por mim Alexandre-WildShark e sim pelo Filipe Barbosa, um novo amigo que fiz através d'um grupo de fãs do Marcelo Nova.
  Filipe é um cara 12 anos mais novo que eu mas que provou por A+B que sabe o que fala em relação à música e recentemente fez um post em seu Facebook falando sobre o discásso "Titanomaquia" dos TITÃS lançado há exatos 20 anos. Após eu ler seu texto super-correto em tudo fiquei embasbacado com a qualidade de tal e pedi sua autorização para publicá-lo aqui na TOCA em homenagem aos 20 anos desse disco que amo de paixão pois eu não faria texto melhor que esse que você irá ler à seguir.



  "Quando esse álbum foi lançado eu era apenas um bebê que esperneava frente a um mundo novo, que não era o da barriga da minha mãe. Junho de 1993, eu novo no “brave new world”, os TITÃS lançando o “Titanomaquia”.
  Esse disco, o sétimo da carreira da banda, é um registro importante do quanto formadores de opinião maledicentes (os famosos “eunucos diante de uma suruba”, como já dizia o Marcelo Nova) podem ser prejudiciais para a história de um disco ou fase de uma banda. Não só esse disco forma esse registro, mas seu antecessor também (e, a meu ver, um completa o outro). Os Titãs vinham de um fracassado comercialmente “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” (1991) com cavalares doses de escatologia, que entrou em total dissintonia com a crítica, só tendo um devido valor quinze anos mais tarde, quando Maria Bethânia regravou ‘Agora’ e seu irmão, o Odara Star da MPB, Caetano Veloso, fez um disco (o “Cê”, de 2006) com referências a crueza e agressão do álbum dos TITÃS, que continha versos do naipe “cheirar sua calcinha suja na menstruação”.
  Depois das duras críticas ao “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” (álbum produzido pela própria banda), que foi taxado de imaturo e de baixa qualidade, os TITÃS partiram para não fazerem igual, mas pior que o disco antecessor, afinal “nem sempre se pode ser Deus” e gravar o que é considerado “o disco” do Rock Nacional, o “Cabeça Dinossauro” (1986). Em setembro de 1992 começaram os ensaios do disco de 1993. No entremeio de um disco para o outro a banda perdeu um de seus melhores compositores, Arnaldo Antunes, que resolve se dedicar a seus projetos solos (embora este assine três faixas no “Titanomaquia” conjuntamente com a banda: ‘Disneylândia’, ‘Hereditário’ e ‘De Olhos Fechados’). Para atenuar a gravidade de se perder um compositor desse nível a banda dá o pulo do gato, ao perceber a força do som de Seattle pro mundo: chamaram ninguém mais, ninguém menos que Jack Endino, produtor do sensacional “Bleach” (1989), primeiro disco do NIRVANA, para produzi-los.
Credencial da época.

  Depois de quase sete meses de ensaios e gravação o disco foi lançado com o nome de uma guerra da mitologia grega. Titanomaquia “foi a guerra entre os Titãs, liderados por Cronos, e os Deuses Olímpicos, liderados por Zeus, que definiria o domínio do universo. Zeus conseguiu vencer Cronos após resgatar seus irmãos depois de uma luta que durou dez anos” (Wikipédia). As primeiras 60 mil cópias do álbum vinham, ainda, dentro de um saco plástico preto, imitando um saco de lixo (que 'sacada'!!! Hoje em dia esse saco é item de colecionador!). Só essas duas histórias do disco – a história do nome e do saco de lixo – foram um prato cheio pra parte da crítica, pretensiosa, cair matando e criar correlações das mais infames, como por exemplo: uma banda derrotada gravando mais um lixo.

Vinil dentro do clássico Saco de Lixo.
  Não bastasse isso, o contexto histórico não ajudava. Explodiam novas bandas, trazendo o que seria o som da nova geração: Skank, RAIMUNDOS, Pato Fu, o Manguebeat, etc. Pouquíssimas bandas da geração 80 estavam surfando na onda, algumas delas até já tinham se desfeito ou estavam dando um tempo: RPM, CAMISA DE VÊNUS, ZERO, etc. Nessa realidade estavam os TITÃS, taxados de “dinossauros” e “ultrapassados” pela “revista de Rock e de intriga”, a Bizz, assim que saiu o disco. A nova geração chegava e o que era “antigo” deveria ser limado.
  Quanto à sonoridade do disco, os TITÃS puxaram muito do que estava em voga na época (antes de qualquer julgamento errôneo, não foi somente os TITÃS que fizeram isso nos anos 90; só pra citar uma banda consagrada, o KISS também “sugou” a sonoridade dessa década em “Carnival of Souls: The Final Sessions” (1997), ouçam e verão que foge totalmente da estética habitual da banda. A influência de Seattle foi grande, transcendendo o fato de o produtor ser de lá e ter trabalhado com bandas daquela cidade. Daí, temos um disco com muito peso, sujo, muita distorção (bem diferente de “Õ Blesq Blom” (1989)), visceral e com um Charles Gavin inspiradíssimo. Com uma estética sonora dessa foi difícil emplacar muitos hits nas rádios, ficando apenas com ‘Será que é isso que eu necessito?’ e ‘Nem sempre se pode ser Deus’, as duas músicas que abrem o disco e deixam um recadinho aos críticos que os desancaram no último trabalho: “Quem é que se importa com o que os outros vão dizer?”.

  Como já esperado o disco não foi um sucesso de vendagens, não passando das 150 mil cópias vendidas, porém, seduziu um novo tipo de público: “os Heavy’s”. Se já havia uma admiração desse público com o antológico “Cabeça Dinossauro”, se tornou certeza de que se tratava de uma banda do caralho. E há conversas de que em Seattle o disco fez um sucesso imenso. Porém, voltando aos pontos baixos, mais bizarro que o fato do disco ter sido boicotado por uma crítica presunçosa, é o fato do mesmo ser execrado da indústria fonográfica brasileira. O álbum foi tratado com descaso pela Warner, gravadora que possui os direitos autorais, e só teve uma reedição em 2011, de míseras 1000 cópias, ou seja, quem comprou na época, comprou...

  Essa é parte da história desse disco clássico para o Rock Nacional, gravado no estúdio Nas Nuvens, com muita energia, adrenalina e insatisfação. Trata-se do último trabalho que goza de um estado altamente criativo da banda, o “ponto final” antes dos apelativos discos pops que viriam. Segue o faixa a faixa desse petardo sonoro (todas as faixas foram assinadas coletivamente pelos TITÃS, exceto as indicadas):

1 – ‘Será que é Isso o que eu Necessito?’ - Ótima música! Mostra o que falei acima, sobre o Gavin estar mais inspirado que em qualquer outro disco dos TITÃS. Destaque também para o vocal visceral de Sérgio Britto. Essa é uma das faixas feitas como um recado (bem punk) à crítica. Foi tocada nas rádios, sem os palavrões, é claro; e ganhou um clipe em preto e branco.

2 – ‘Nem Sempre se pode ser Deus’ – Aqui também existe um quê de (in)direta à nossa saudosa crítica brasileira, porém, com um apelo mais pop que a primeira.

3 – ‘Disneylândia’ (TITÃS/Arnaldo Antunes) – Essa é uma das letras mais inteligentes dos TITÃS (vale a pena parar pra ler, aos que ainda não a conhecem). Sem refrão, a banda descreve com muita perspicácia a globalização e seus desdobramentos, na voz profunda de Paulo Miklos.


4 – ‘Hereditário’ (TITÃS/Arnaldo Antunes) – A única música cantada por Nando Reis, que dizem ter estado completamente deslocado no disco, já que a MPB já norteava sua futura carreira solo (acho essa informação meio vaga, pois o mesmo gravou mais dois ou três discos com os Titãs, sem falar que nos vídeos da turnê do disco ele tá bem agitado). Por destoar do disco na brutalidade, foi tocada nas rádios e foi a única inclusa no Acústico MTV, gravado anos mais tarde. Ganhou um clipe, assim como a primeira música .

5 – ‘Estados Alterados da Mente’ - Uma música cuja letra é uma série de citações de incidentes neurológicos, na mesma linha da música ‘O Pulso’, de “Õ Blésq Blom”.


6 – ‘Agonizando’ – Viva Charles Gavin e Sérgio Britto!!!! Uma das músicas com a pegada mais convulsas, não só do disco, mas da carreira dos caras. Primeiro que possui o maior trava-língua da Música Brasileira (não sei como os caras tocaram essa no Hollywood Rock); segundo que possui uma pegada agonizante, com Gavin tocando com duas caixas (tenha noção da coisa...); terceiro que possui um solo de guitarra emblemático.

7 – ‘De Olhos Fechados’ (TITÃS/Arnaldo Antunes) – “Eu não fico pensando no que se passa na sua cabeça”. Os TITÃS sempre tiveram a habilidade de brincar com a língua falada. Esse é um dos exemplos.

encarte raríssimo do K7 original
 8 – ‘Fazer o quê?’ – Música que abre o lado B. Começa com um solo de guitarra em fade-in, explodindo e se revelando outra música violenta, que possui um refrão que termina com um “FODA-SE”.

9 – ‘A Verdadeira Mary Poppins’ – “Eu sei que estou fedendo / Eu sei que estou apodrecendo". Uma das músicas mais sujas do disco, e que aborda o tema da morte de maneira bruta, sem a poesia de ‘Flores’. Essa diferença de abordagem da temática que a crítica não compreendeu e meteu o pau. “Mesmo que ninguém escute / Mesmo que ninguém ouça / Mesmo que ninguém acredite do que sai da minha boca...”. Outra faixa de destaque para o baterista e para o vocalista Paulo Miklos.

10 – ‘Felizes são os Peixes’ – Uma música sem concretas pretensões, com a letra mais rápida do disco, conservando o peso do disco.

11 – ‘Tempo pra Gastar ‘– “Tem lugar de sobra até aonde posso ver / Tem espaço bastante pra se perder”. Particularmente gosto muito dessa música. Ela tem algo que pra mim foi inédito e que até hoje não vi outra banda fazer: no final da música Sérgio Britto diz a data e hora exata da gravação da música (“São 18 horas e 30 minutos, do dia 30 de março de 1993, terça-feira”), sem falar da melodia e vocal pra frente.
 
Capa verdadeira, dentro do Saco de Lixo, também a capa da edição em CD.
12 – ‘Dissertação do Papa sobre o Crime Seguida de Orgia’ – Uma das letras mais radicais da história da banda. Parte da letra, a que possui a descrição das variadas formas de assassinatos cometidas por vários povos ao longo da história humana, foi toda retirada do livro homônimo do Marquês de Sade, o mesmo que inspirou o filme “Salò ou 120 Dias de Sodoma”, do mestre Pasolini.

13 – ‘Taxidermia’ – Essa música possui uma peculiaridade: não a conhecia bem, até no último show dos TITÃS, na Concha (BA), um professor meu ter me falado, quase perto do final, que só tava faltando ela. Infelizmente não rolou, mas ouvi a música com o ouvido apurado e realmente trata-se de uma excelente melodia e letra. O nome da música e alguns versos fazem referência a um conhecido método de preservação de cadáveres: a Taxidermia. —
Filipe Barbosa - 12 de março de 2013.
http://www.facebook.com/filipe.barbosa.942"

Filipe Barbosa (Salvador - BA)